domingo, 24 de fevereiro de 2013

32 Anos da maior tragédia fluvial brasileira - O naufrágio do "Novo Amapá", (hoje repete-se o descaso das autoridades.)



Uma característica marcante das tragédias brasileiras como o da Boate Kiss, do Bateau Muchet, barco Novo Amapá, etc., é que tem as vistas grossas das autridades que deixaram os equipamentos funcionar irregularmente....
Era o ano de 1981, eu tinha 18 anos à época, estava morando em Macapá, então Território Federal do Amapá - TFAP; nos últimos anos do Governo Militar; quando aconteceu o maior naufrágio fluvial do Brasil até hoje. O problema da saída do barco Novo Amapá, era que além de super lotado, ele não tinha lastro de segurança suficiente, podia virar facilmente e, foi o que aconteceu...; e como ocorre em todas as tragédias brasileiras em que envolve transporte e acomodação de massas humanas; o orgão regulador e fiscalizador, no caso a capitania dos portos fez vistas grossas, pois uma senhora, Tereza Queiroga fez ferrenha denúncia a Capitania e se recusou a embarcar na nau, mas a Capitania deixou o barco sair do porto de Santana. Era o período de férias e muita gente ia para o Jari, ou vila de Laranjal do Jari , mas que todos conheciam como "Beiradão" que aquela época era o maior povoamento em Palafitas do Brasil, as margens do rio Jari; famílias inteiras morreram naquela tragédia. Foi muito triste.
(Pedro Paulo Barbosa, morador em Macapá à época da tragédia)
João Arerto Capiberibe, escreveu um excelente livro-reportagem, veio a ser prefeito de Macapá, anos depois.


Veja o relato de Humberto Moreira, baseado
em relatos da Capitania dos Portos e de
sobreviventes:
Era noite de 6 de Janeiro de 1981, quando o barco ribeirinho Novo Amapa naufragou na foz do rio Cajari, próximo ao município de Monte Dourado (PA), levando as aguas mais de seiscentas pessoas. Trezentas destas perderam a vida e dezenas passaram horas de panico e desespero, imersas na água e na escuridão.

A embarcação, com suporte para transportar no máximo 400 pessoas e meia tonelada de mercadoria, partiu do Porto de Santana com mais de 600 passageiros e quase um tonelada de carga comercial. Seu destino era o município interiorano de Monte Dourado, com escala em Laranjal do Jar. Como as viagens anteriores duravam em torno de um dia e meio, seu proprietário havia reformado-lhe, instalando um motor hidráulico a mais, o que facilitaria na velocidade da embarcação.

A lista de despacho, segundo a Capitania dos Portos na época, tinha registrado cerca de 150 pessoas licenciadas pelo despachante Osvaldo Nazare Colares. Mas na embarcação havia mais de 600 vidas. O despachante (falecido em abril de 2001, vtima de Dengue Hemorragica) a rmou que so foi informado da tal lista apos ja ter partido ha certas horas e que a lista foi deixada sob sua mesa, quando ele estava ausente.

O comandante responsável pela viagem, Manoel Alvanir da Conceição Pinto, seguiu todas as instruções necessárias do proprietário, sobre a viagem. O proprietário era Alexandre Goes da Silva, que teve seu corpo encontrado no camarote da embarcação. Hoje com 53 anos de idade e 29 de pro fissão marítima, Manoel Alvanir continua seus servicos como marinheiro. Atualmente trabalha em algumas embarcações no porto do Ver-o-Peso, em Belem. Poucas lembrancas lhe vem a memoria quando o assunto e a tragédia do Novo Amapá.

Seu unico comentario volta-se para o comando do barco. Segundo versões de sobreviventes na epoca, a responsabilidade pela cabine de comando estava nas mãos inexperientes de um garoto. "Isso e mentira. Havia sim um garoto ao meu lado na cabine de comando, mas não deixei por nenhum momento ele pegar na direção do barco, como andaram dizendo", a rmou o ex-comandante que fez, da que seria uma simples viagem uvial, o maior naufragio da navegacão brasileira.

Segundo a lista da Capitania dos Portos do extinto Territorio Federal do Amapa, cerca de 650 pessoas embarcaram no Novo Amapa e menos de 180 puderam sobreviver. "Muita gente diz que foram duzentos e poucas pessoas que sobreviveram. Isto não e verdade", contradiz dona Creuza Marques dos Reis, sobrevivente hoje com 65 anos. Dona Creuza embarcou com sua lha e a neta. Somente ela e a neta de um ano e meio sobreviveram. Atualmente morando em Santana, tem como sustento um estabelecimento comercial diversi cado.

Sobrevivente Armando da Silva Batista, hoje com 36 anos, trabalha na Champion
Amapa no cargo de guarda patrimonial. Conta que uma das causas das inumeras mortes terem ocorrido foi o auxlio dos salva-vidas. \Essas pessoas que pegaram os salva-vidas morreram quase todas porque dormiram e aquilo atrapalhou; não sabiam o que estava acontecendo", disse.
Funcionario de empresa que vendia utenslios de cozinha para toda a região do Amapa,
Armando viajava frequentemente em época de pagamentos, para fazer cobrancas, acompanhado do colega Edson. Momentos antes da tragedia ambos haviam se separado. "Como a area das redes estava muito quente, disse pro meu colega que ia pro andar de cima e quem sabe so retornar de manhã", relatou.

Ao ser perguntado sobre o momento em que o barco tombou, Armando contou com detalhes: \Levei uns 15 minutos pra chegar na cabine. Quando cheguei la, ele (comandante) mandou servir um cafe pra mim, pro Roberto (amigo) e duas meninas do Jar. Nos 15 minutos que cheguei la, o barco deu um tombo para um lado e um tombo para o outro. Eu ainda perguntei pro Alvanir: \Alvanir, isso e maresia?". Ele disse: \Rapaz, por incrvel que pareca, nessa região não da maresia". Quando ele terminou de falar, o barco tombou de uma vez. Foi como uma virada de carro. Inevitavel".

Buscando ate mesmo com precisão a hora em que o barco tombou, foi o que aconteceu com o sobrevivente Enoque Magave da Silva, hoje com 41 anos, policial militar que, minutos antes do tragico tombo, conseguiu ver as horas em seu relogio de pulso: eram 20h45min. \Eu estava com relogio no braco e vi as horas normalmente. Quando de repente senti o barco virar lentamente. Como estava deitado numa rede de frente para uma senhora, fui um dos primeiros a parar logo dentro d’agua na hora do tombo", contou Magave, que no mesmo ano do desastre casou-se com sua atual esposa e ingressou na Polcia Militar.

A recem-formada magistrada Katia Isabel Andrade, hoje com 38 anos, era amiga pessoal da tripulacão, principalmente do comandante Manoel Alvanir e do proprietario Alexandre Goes da Silva. \Tinha feito outras viagens no barco e ja conhecia o pessoal", disse Katia, que ironizou a tragédia momentos antes de acontecer, na hora da jantar. \Eu terminei de jantar e disse pro pessoal na mesa que ia me banhar e minhas colegas disseram: \Tu vai morrer", da eu falei: \Não vou não. Se não morrer agora, não morro mais". Da fui pro banheiro, tomei banho e voltei pro camarote (...)". Segundo Katia, foi tão rápida a virada do barco que ela so percebeu o que estava se passando quando as luzes do camarote se apagaram e que água circulava ao seu redor.

Após partir do Porto de Santana por volta das 14hs do dia 6 de Janeiro de 1981, a embarcação tombou aproximadamente as 21hs. A notícia da tragédia chegou a capital no dia seguinte, através de dois sobreviventes.

A verdadeira dimensão do desastre iniciou quando a imprensa local divulgou a lista de despacho na qual constava que somente 146 pessoas haviam sido liberadas para viajar, enquanto que na embarcaçãoo estiveram presentes mais de seiscentas pessoas.

Em menos de 48 horas toda a imprensa nacional voltou-se para o entãoo Territorio
Federal do Amapa, acompanhando todas as informações sobre a tragédia do Cajari. O jornal norte-americano New York Times do dia 10 de Janeiro publicou materia na primeira pagina sob o título "Tragedia na Amazonia: 282 mortos".

Segundo alguns sobreviventes, a inexperiência de um garoto na cabine de comando pode ter sido a causa do desastre. O garoto que muitos se referem pode ser Jose Roberto da Silva Pinto, hoje com 32 anos e que ha pouco tempo trabalhava no cemiterio onde foram enterradas as vtimas do naufragio. \Isso é mentira dizerem que foi um garoto a causa principal da tragédia", disse Jose Roberto, criticando certas a rmações ditas na epoca pela imprensa.

Roberto era amigo da tripulação ha tempos e, vez por outra, viajava no Novo Amapa a pedido do proprietario Alexandre Goes, que comandava a embarcação e tambem era dono de um estabelecimento comercial no municpio de Santana, onde Roberto ja trabalhara. \Antes mesmo de comecar a viajar no Novo Amapa, eu trabalhava num bar de que ele era dono", disse Roberto.
Alguns sobreviventes insinuaram que um banco de areia pode ter sido uma das principais causas do tragico tombo na foz do Cajari. Mas segundo certas informações que se encontram em livros geográfi cos e hidrográficos da epoca, o nível do rio Cajari era bastante alto para leva-lo a inclinar-se lentamente para as águas.

Outra grande causa - e a mais conhecida ate hoje - vem a ser a superlotação da embarcação. Mas, pergunta-se: se a superlotação possa ter sido a causa do naufrágio do barco Novo Amapa, por que não tombou momentos apos deixar o Porto de Santana, sabendo que havia uma grande quantidade de passageiros a bordo?

O Governo Territorial, que tinha como chefe executivo o comandante Annibal Barcellos, buscou auxiliar moralmente, mas a ajuda foi carente, tanto que a verba enviada do Governo federal para ser utilizada no resgate dos sobreviventes e servir parcialmente na indenização dos parentes das vtimas era de 25 milhões de cruzeiros (hoje em torno de 10 milhões), mas somente cinco mil cruzeiros foram usados, no que se levou a crer num desvio, assim divulgado pelo Jornal Amapa Urgente de 12 de Janeiro de 1981.

O fato entrou em processo jurdico um ano depois quando o advogado Pedro Petcov assumiu o caso, rolando pela Justica federal por quase 15 anos. Apos a morte do advogado em 1996, o caso foi arquivado sem ter alcancado o principal objetivo: indenizar os familiares das vtimas mortas e os sobreviventes. \Todos ainda tem uma esperanca de algum dia receber algo da justica pela aquela noite trágica", disse o sobrevivente Haroldo Fernandes de Souza, hoje com 4 anos, atual funcionario do Tribunal de Contas do Estado, na esperanca de receber algum dia algo que compense a fatdica noite de 6 de Janeiro de 1981.

DADOS TECNICOS DO "NOVO AMAPA" Comprimento Externo: 25,10m;
Comprimento entre Perpendiculares: 2,50m; Boca Maxima: 5,88m; Boca Moldada: 5,70m; Comprimento de Arqueação: 21,68m; Tonelagem Bruta: 100,445 toneladas; Tonelagem Lquida: 6,189 toneladas.

Fonte: Arquivos da capitania dos Portos Departamento Regional do Para Inquerito Martimo no 2.031 - pag. 117.


(Autor - Humberto Moreira)

Grifos nossos - Pedro Paulo

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